terça-feira, 20 de março de 2012

Línguas cortadas


O ato de comunicar sempre tem como base algum tipo de norma; essa, por sua vez, tem como origem uma série de fatores, como idade, gênero, classe social, nacionalidade, meio geográfico (cidade ou campo) no qual o indivíduo se insere. Dessa desigualdade surgem conflitos, na maior parte das vezes (senão sempre) causada pela minoria que domina, mesmo que parcialmente, a norma culta. Segundo esses, as modificações populares são perversões que devem ser excluídas do cotidiano.

Esse tipo de posição desconsidera o caráter adaptativo da linguagem. Não há sentido em estipular um mesmo tipo de fala ou escrita para variadas situações. Em festas, reuniões familiares, conversas de bar há uma descontração tal que permite a fala informal, despreocupada, abreviada. Em momentos como esses, não há necessidade de ficar se preocupando com a regra x ou y. Basta falar!

Outro ponto importante é que se a norma culta fosse de fato o único meio para se comunicar, então ninguém – ninguém mesmo – passaria no teste. Por quê? Simplesmente porque todo grupo social altera a língua; o que varia é o grau que essa adaptação tem: os mais pobres, pelo baixo tempo de estudo à eles oferecido, acabam por suprir as lacunas que faltam do modal tradicional; como resultado, eles alteram de maneira mais intensa o padrão culto da língua. Por outro lado, as classes ‘’letradas’’ também fazem seus experimentos linguísticos. Basta ver a fala do jornalista do Bom dia Brasil , ao criticar uma suposta tentativa de se ensinar o jeito ‘’errado‘’: quanto eu tava na escola... Como é sabido, ‘’tava‘’ é uma abreviação de ‘’estava‘’, sendo essa forma a almejada pela norma culta e, mesmo assim, ignorada pelo ditos letrados - incluindo o inconformado jornalista.

Mas, digamos que ela fosse não apenas ideal para todas as ocasiões, mas também atingida por todos. Mesmo assim ela ainda seria passageira. Como toda criação humana, ela sofreria alterações até que chegasse o ponto que sua estrutura seria drasticamente alterada; surgindo um tipo totalmente diferente de língua - como o português atual é para o antigo. Ora, se é de fato desejável se utilizar apenas de uma norma, ela jamais poderia se alterar em qualquer aspecto, por menor que fosse. No entanto, como esse é um processo inevitável, aqueles que consideram apenas a forma tradicional acabam se prendendo a uma ilusão, ao elefante branco da escrita e falas perfeitas.

Dessa maneira, fica evidente a necessidade de quebrar essa lógica do certo/errado e substituí-la pelo o que é adequado ao contexto. A língua, portanto, deve ser antes de tudo um objeto do qual as pessoas façam o uso que melhor acharem, sem, contudo, desconsiderar a norma culta; trata-la como algo simplesmente estática e linear é negar sua própria essência.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Um liberal, de fato, liberal

Recentemente terminei de ler um livro chamado Vícios não são crime – isso mesmo, crime está no singular. Trata-se de um ensaio feito pelo ‘’advogado, empreendedor e político Lysander Spooner’’, nos Estados Unidos da América do século XIX – em 1875.


O tema da obra já é delimitado pelo título. Durante essa, o autor defende um ponto de vista muito interessante sobre crimes que envolvam vícios da idade contemporânea: os vícios – como o que ocorre com as drogas e jogos de azar – não devem ser tratados, seja pela sociedade quanto pelo Estado, como crimes.


Por quê? Porque, segundo ele, os vícios são, essencialmente, tentativas do indivíduo de alcançar a felicidade; não há assim, no ato da ‘’libertinagem’’, a tentativa de prejudicar outras pessoas, fato esse que caracteriza todo crime: lesar outros e suas respectivas propriedades.


Em decorrência disso, o autor estabelece uma postura um tanto incomum para sua época: a de tratar esses ‘’desviados’’ com assistência e compreensão, já que a consumação desses vícios acabam, muitas vezes, por prejudicar o usuário.


Esse tratamento, contudo, não é o que se almeja atualmente – ao menos, pela esquerda. Representando o pensamento de muitos liberais da época, Spooner abre essa alternativa tanto à esfera pública quanto à privada; em ambos os casos, há a opção de ajudar. Segundo ele, o governo, sendo um conjunto de indivíduos, somente irá ajudar caso os governantes queiram faze-lo. Esse pensamento ilustra muito bem o estado dos direitos humanos na época – restritos à propriedade, liberdade e busca da felicidade.


De qualquer maneira, o livro é uma boa leitura para aqueles que se interessam sobre o relacionamento entre indivíduo e sociedade. Além do que já citei, o texto carrega engraçadas doses de xenofobia aos ingleses – fruto, talvez, da mágoa com a velha metrópole, a Inglaterra.



Magrelas, mas mal amadas

As bicicletas, vulgas magrelas, certamente passaram pela vida da maioria de nós. Para alguns, ela serve para os momentos de lazer, à beira da praia ou parque, outros a utilizam como meio de transporte e outros tantos a encaram como um esporte.


Desde a sua criação, ela se expandiu pelo mundo. No entanto, o tratamento dado à ela varia; ora é bem recebida, ora não. Basta comparar Brasil e Holanda. Os ciclistas holandeses são uma constante nas ruas de seu país; no Brasil apenas alguns se arriscam ao risco de se ‘’expor’’ na rua.


Dessa rejeição surge o descaso do poder público. No Rio de Janeiro, por exemplo, as ciclovias são concentradas em pontos da cidade, muitas vezes na orla; as que existem estão em mau estado de conservação; falta segurança, os assaltos são freqüentes, principalmente contra jovens e em horários de pouco movimento.


A insegurança de alguns ciclistas - basta pesquisar em fóruns - é tamanha que muitos preferem se arriscar nas rodovias – onde muitos motoristas tem a mania de raspar nas bicicletas - do que ter que cruzar certas ciclovias em determinado horário, como a que existe no Aterro do Flamengo.


O ciclismo, por ser um transporte que exige força do utilizador, é um modal que apresenta grandes benefícios à saúde e, em paralelo, torna a vida nas cidades mais amena, menos veloz e, fator importantíssimo, mais limpa. Já está na hora de a ciclovia ser incorporada à estrutura das cidades. 

Quindou


Recentemente comprei um Kindle – modelo básico da nova geração. Por que o fiz? Justamente porque, assim como muitos, tenho a rotina de ler e, principalmente, falta de espaço para os livros.


É justamente nesse ponto que o Kindle se foca: a praticidade. Nele, variando a memória, é possível armazenar milhares de livros em apenas ‘’um’’ só; e mesmo esse é, no caso do meu, bastante leve.


Além da praticidade, esse livro digital oferece outros tipos de facilidades. Por exemplo, com o dicionário do português e inglês já instalados na memória do aparelho, é possível em uma leitura destacar uma palavra com o cursor e achar seu significado; na vida real, isso levaria mais tempo: teria-se que achar a inicial, depois procurar alfabeticamente; e isso quando a gente não se perde...
No Kindle, isso é, pelo contrário, instantâneo!


Ora, mas ele deve cansar a vista; diriam alguns. Não acontece. O Kindle possui uma tela feita especialmente para não desgastar a vista; é como se o leitor estivesse olhando para um papel comum. Sem falar que também não é preciso forçar a vista, já que existe nele uma opção para se alterar o tamanho das fontes; certamente uma grande vantagem para os mais idosos.


Talvez o real problema do Kindle em relação a nós seja seu restrito repertório de livros nacionais. Entretanto, esse é um obstáculo que pode razoavelmente ser transposto.


Embora o Kindle seja algo recente – se não me engano, o primeiro modelo foi lançado em 2004 – os chamados e-books (livros eletrônicos) já estão há mais tempo na rede. É possível, assim, achar os livros eletrônicos que se deseja e passá-los para seu Kindle. No entanto, muitas vezes esses livros estarão em um formato estranho ao Kindle – seja em PDF, WORD, etc -; então, o que fazer? É possível mandar os arquivos para um e-mail da Amazon e, já no formato adequado, para o Kindle. Este link contém um guia mais detalhado: http://www.rodrigoghedin.com.br/blog/converter-pdf-azw-kindle


Enfim, considero o Kindle uma revolução por esses motivos. Embora muitos se sintam apegados – desnecessariamente – ao ‘’bicho’’ livro, com seu cheiro e textura, acredito que a era dos livros digitais é uma tendência a ser expandida; da mesma maneira como o foi na passagem dos livros manuscritos para os impressos. Fica a idéia à aqueles que pensam em adquirir um desses.


PS – a propósito, é esperado que a Amazon lance o modelo básico do Kindle no Brasil por cerca de 200 reais no final do ano.

Luísa



Conheci há pouco uma mulher chamada Luísa. Negra, analfabeta, doméstica; Luísa é a encarnação de tantos brasileiros que, destituídos de renda em uma sociedade capitalista, não conseguem fazer valer seus direitos como tanto fazem os privilegiados desse país.

Prova desse muro entre os que têm e os que não tem é outra Luísa que conheci; essa já rica – não por possuir mansões ou algo do tipo, mas por ter alimentação, saúde e educação garantidas -, pode estudar, se divertir, se alimentar e, nesse momento, ingressar no ensino superior de uma renomada universidade pública.


Dois nomes e gêneros iguais; ambas são humanas; possuem os mesmos direitos garantidos na constituição ‘’cidadã’’, mas, ainda assim, estão diferentes. Uma, como cheguei a saber, é duramente alijada de seus direitos por seus patrões; outra, tem altas chances de ter um futuro digno, trabalhar no que gosta, ter acesso ao lazer, etc. Quiçá até, caso queira, se tornar ‘’patroa’’.


Essas duas Luísa são o retrato de um país desigual, onde os direitos ou alguns deles são garantidos à uma minoria em detrimento de uma maioria que luta a cada dia para sobreviver; assim, esses deserdados e ‘’preguiçosos’’ não conseguem desenvolver suas potencialidades e se afirmar como cidadãos. A retirada de sua dignidade alimenta um círculo vicioso, onde aquele que pouco tem, pouco sabe e, pois, pouco luta e por pouco lutar, continua ter apenas migalhas da riqueza nacional.


É o Brasil a fonte destas duas Luísa; como um Cronos que devora seus próprios filhos, mas ao contrário desse, ele escolhe qual pode e qual não pode viver.

Sem limites... Até que ponto?


Em ‘’Sem limites’’, o espectador é apresentado a Eddie Morra, um frustrado ser humano e escritor. No fundo do poço, ele acaba por ter acesso a uma droga capaz de levar o funcionamento de sua mente ao zênite. No entanto, como havia recebido apenas uma pílula, ele parte a procura de mais. A partir daí, o filme se desenvolve na busca pelo elixir da inteligência, aprofundando a personagem e sua história.


O filme, apesar de interessante e agradável, se mostra bastante superficial, não fugindo, nesse ponto, do padrão hollywodiano. É surpreendente que um ser humano, inicialmente pacato, ao se elevar a condição de gênio – no final, Morra é capaz de prever o futuro matematicamente– não questione o status quo político, econômico e social. A inteligência, pelo contrário, se mostra limitada ao sistema vigente, afinal, as coisas são e sempre serão assim, não havendo, portando, nada que se pensar.


No desenrolar da trama, com sua ‘’inteligência’’, Morra torna-se um importante acionista do mercado de ações, conseguindo, dessa maneira, acesso aos luxos da alta sociedade. Festas, reuniões empresariais e belas mulheres - afinal, o amor é somente dos belos - integram-se a sua rotina. Sua ex, inclusive, revive seu amor por Morra, ao perceber que ele finalmente ''tomou jeito''. O homem capaz e astuto torna-se, pois, aquele que tem dinheiro, poder e...mulheres.


São idealizações desse tipo, conscientes ou não, que acabam por desumanizar o Homem. Cria-se uma falsa idéia de que o ápice da vida se dá no sucesso financeiro e material. Tal visão do potencial humano somente denota a degradação intelectual por qual passa a humanidade contemporânea, influenciada pelo consumismo e individualismo.


Urge, portanto, a recuperação do Homem, que se animalizou em uma natureza artificialmente criada por si, mas não para si. Somente com reflexão, ação e organização que o bicho Homem romperá com os limites que impôs a si mesmo. Somente com a verdadeira inteligência, que Homem se tornará de fato ilimitado.